A recente sanção do Projeto de Lei nº 1087/2025 marcou uma das mudanças mais relevantes no sistema de tributação brasileiro das últimas décadas. Embora o debate público tenha se concentrado na ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para pessoas físicas com rendimentos de até R$ 5 mil mensais, os efeitos mais estruturais da medida recaem sobre contribuintes de alta renda, sócios de empresas e famílias empresárias.
O novo marco encerra uma isenção histórica sobre lucros e dividendos, vigente há mais de 25 anos, e inaugura um ambiente que exige leitura técnica, planejamento tributário contínuo e maior integração entre decisões empresariais e patrimoniais.
Para famílias que concentram parte relevante de sua renda em participações societárias, investimentos estruturados e distribuição de resultados, o impacto vai além do aumento de carga tributária: trata-se de uma mudança de lógica.
O fim da isenção de lucros e dividendos
A partir de 2026, lucros e dividendos distribuídos por pessoas jurídicas a pessoas físicas residentes no Brasil passam a ser tributados quando superarem R$ 50 mil por mês por empresa, equivalente a R$ 600 mil por ano. O valor excedente estará sujeito à alíquota de 10% de Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), sem possibilidade de deduções.
Essa alteração encerra um modelo que permitia ampla distribuição de resultados sem tributação na pessoa física, exigindo agora reorganização da política de remuneração entre pró-labore, dividendos e retenção de caixa.
Para famílias empresárias, a consequência prática é clara: a forma como o lucro é distribuído passa a ter impacto direto no imposto final pago, tanto no curto quanto no longo prazo.
A tributação mínima para altas rendas
Além da tributação direta dos dividendos, o projeto institui o chamado Imposto de Renda da Pessoa Física Mínimo (IRPFM), aplicável a contribuintes com rendimentos anuais superiores a R$ 600 mil.
O modelo estabelece uma alíquota mínima progressiva:
- rendimentos até R$ 600 mil: alíquota efetiva zero
- rendimentos entre R$ 600 mil e R$ 1,2 milhão: alíquota crescente
- rendimentos acima de R$ 1,2 milhão: alíquota efetiva de até 10%
Nesse cálculo entram, em regra, todos os rendimentos recebidos no ano-calendário, inclusive aqueles anteriormente isentos, tributados exclusivamente na fonte ou sujeitos à alíquota zero.
O efeito prático é que, mesmo que parte significativa da renda seja composta por dividendos ou investimentos antes considerados isentos, o contribuinte poderá ser chamado a complementar o imposto até atingir o piso mínimo definido pela lei.
Rendimentos que permanecem fora da base mínima
Apesar do alargamento da base de cálculo, a legislação preserva a isenção de determinados rendimentos estratégicos, que não entram no cálculo do IRPF mínimo, entre eles:
- rendimentos de poupança
- títulos incentivados como LCI, LCA, CRI, CRA, LIG, LCD, CPR e similares
- debêntures incentivadas de infraestrutura
- fundos e ETFs com, no mínimo, 85% dos recursos aplicados em projetos de infraestrutura
- rendimentos distribuídos por FIIs e Fiagros negociados em bolsa, com pelo menos 100 cotistas
- doações, heranças e adiantamentos de legítima
- indenizações por danos materiais ou morais (exceto lucros cessantes)
- lucros e dividendos apurados até o ano-calendário de 2025, desde que aprovados até 31 de dezembro de 2025 e distribuídos entre 2026 e 2028
Esse ponto é especialmente relevante para famílias empresárias, pois reforça a importância da composição da carteira de investimentos e da origem da renda, não apenas do volume total recebido.
Lucros acumulados até 2025: uma janela de planejamento
A lei criou uma regra de transição importante: lucros apurados até o ano-calendário de 2025 poderão ser distribuídos nos três anos seguintes (2026, 2027 e 2028) sem a incidência da nova tributação, desde que a distribuição tenha sido formalmente aprovada até 31 de dezembro de 2025.
Na prática, isso exige:
- levantamento preciso de lucros acumulados
- formalização por meio de atas e documentação societária
- coordenação entre contador, advogado e sócios
A ausência dessa formalização pode levar à tributação integral dos valores no momento da distribuição.
Tributação de dividendos enviados ao exterior
O projeto também introduz a tributação de lucros e dividendos remetidos ao exterior, com alíquota de 10% de IRRF, independentemente do valor enviado.
A regra se aplica tanto a beneficiários pessoas físicas quanto jurídicas, exceto em três casos específicos:
- governos estrangeiros, mediante reciprocidade
- fundos soberanos
- entidades previdenciárias no exterior
Caso a soma da carga tributária no Brasil (IRPJ + CSLL + IRRF) ultrapasse o teto nominal previsto na legislação, o beneficiário no exterior poderá ter direito a crédito, conforme regulamentação.
Para famílias com estruturas internacionais, holdings offshore ou investimentos fora do Brasil, essa mudança exige revisão imediata da arquitetura societária e dos fluxos de distribuição.
Conclusão: mudança de lógica, não apenas de alíquotas
As novas regras de tributação não representam apenas um aumento pontual de imposto. Elas alteram a lógica de como renda, capital e patrimônio são tratados no Brasil.
Para famílias empresárias, o desafio não está em reagir à mudança, mas em reinterpretar sua estrutura de renda, investimentos e distribuição de resultados à luz desse novo ambiente.
Planejamento tributário deixa de ser episódico e passa a ser processo contínuo, integrado à governança patrimonial, à estrutura societária e às decisões estratégicas da família.
Em um cenário de maior transparência e controle, clareza, método e antecipação tornam-se os principais instrumentos de preservação do patrimônio no longo prazo.




